quarta-feira, 23 de abril de 2008

A "Terceira Mulher" cultiva a diferença

O filósofo francês, autor do “Império do Efêmero” e de “A Terceira Mulher”, Gilles Lipovetsky, em palestra, fez uma reflexão sobre o papel da moda na atualidade numa interessante abordagem da relação entre modo de vestir, emancipação feminina e culto da estética da sedução. Ele analisou a evolução da vestimenta através do século XX, assinalando especialmente as mudanças ocorridas nos últimos 30 anos, quando o status das mulheres evoluiu consideravelmente. “A roupa não é mais emblema de hierarquia, ela traduz o que convém ao indivíduo. No século XIX, as mulheres se vestiam como quem não tinha nada a fazer e não tinham mesmo. Mas agora, uma mulher pode oferecer uma imagem diferente a cada momento. Pela manhã de roupa de ginástica, depois de jeans e camiseta e à noite de vestido elegante”, explicou.
Para o filósofo, vivemos em uma época de extrema diversificação, quando se pode passar de uma roupa muito descontraída para um traje de trabalho sóbrio. Segundo ele, hoje, a roupa deve oferecer uma imagem jovem, traduzir um desejo ou toda uma gama de desejos. “Até os anos 50, as jovens imitavam as mães. A partir dos anos 1960 as mães passaram a copiar o estilo das filhas”, pontificou. Mas, assinalando que na era pós-feminista, as mulheres estão sempre do lado da sedução. E como o tempo é curto para tantos afazeres _os profissionais e os relativos à casa e à família _ o ato de comprar roupas e ir ao cabeleireiro adquire total importância. Estes significam momentos de relaxamento e de cuidado consigo mesmas, muito valorizado por mulheres que vivem sob tensão.
Ele citou a obsessão por regimes alimentares, práticas esportivas, lipoaspiração e cirurgias plásticas. Livros sobre dietas de emagrecimento se tornam best sellers e a roupa de baixo é de fato o que realça um corpo bonito e bem cuidado. “Os gastos com vestuário declinaram, segundo dados europeus, mas o consumo de lingerie cara e sofisticada aumentou”. Na sua opinião, a estética do corpo feminino nunca esteve tão direcionada nas sociedades desenvolvidas, onde o modelo da mulher magra se impõe, assim como a manutenção da forma. Na nossa cultura, o corpo tem importância fundamental.
Por outro lado, vivemos em sociedades de autonomia individual. As oportunidades são as mesmas para os dois sexos e as mulheres têm hoje as mesmas responsabilidades dos homens, o que as leva a se desligar do padrão de identidade preconizado pelas feministas. Concluindo, segundo Lipovetsky, chamada terceira mulher pode se reconciliar com o papel tradicional do feminino, procurando aliar sedução e eficiência, rejeitando o fascínio pelo modelo masculino e a guerra contra os papéis convencionais, cultivada pelos movimentos de emancipação feminista.
Para escrever “A Terceira Mulher”, o filósofo se debruçou sobre a questão do trabalho, estudo e liberdade sexual, concluindo que as diferenças entre feminino e masculino tendem a desaparecer em sociedades onde prevalece a anulação da diferença sexual. É neste ponto que ele assinala a necessidade de resistência dos papéis tradicionais femininos e o imperativo dos valores que se dirigem à moda, à sedução e à beleza.

Titita Motta
(Matéria publicada no site Moda Brasil em outubro de 1998)

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